Sandra Mayrink Veiga, sobrevivente da ditadura, em entrevista ao Pavio Curto denuncia a impunidade histórica e critica pedido de anistia a Bolsonaro e aliados. ‘Não podemos repetir os erros do passado’
CHEGA DE GOLPES!
Finalmente, na terça-feira, 19, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e seus comparsas foram denunciados pela Procuradoria Geral da União por tentativa de golpe de estado. As mais de duzentas páginas assinadas por Paulo Gonet apontam com detalhes a trama pretendida pelos militares com anuência e participação direta em várias ocasiões do político que disse ter usado dinheiro público para “comer gente” em Angra dos Reis.
A peça acusatória descreve em detalhes que a intenção de Bolsonaro e sua trupe golpista era atentar contra a democracia. Não uma, mas em várias oportunidades, inclusive tinham a intenção de matar o presidente da República, Lula, seu vice, Alckmin, e o então presidente do STF, Alexandre de Moraes. A operação que daria cabo dessa missão digna de um traidor do Estado ganhou a alcunha de Punhal Verde e Amarelo. Não poderia ser outro nome mesmo, afinal, via de regra, o punhal é usado nas costas, sorrateiramente. Antes mesmo disso, o então presidente se encarregou de minar a credibilidade das instituições, colocando à prova a lisura das urnas eletrônicas que o elegeu e chegou a difamar o país para embaixadores do mundo todo.
Gonet reforça na denúncia, sem apresentar grandes novidades já que os crimes em questão foram amplamente denunciados pela imprensa e pela sociedade civil organizada, que o ex-capitão e futuro presidiário esteve sempre à frente de tudo. Sabia dos detalhes e assinou e endossou o estratagema. “ Durante as Investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagem reveladores da marcha de ruptura da ordem democrática. (...) O Presidente da República e o seu candidato a Vice-Presidente, o General Braga Neto, ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na Legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”, confirma o procurador.
No decorrer da peça, o Procurador Geral da República reforça a gravidade dos crimes afirmando que “não há ofensa institucionalmente mais grave à democracia do que a interrupção do processo mesmo de ajustes inerentes ao sistema, pelo impedimento da atuação de qualquer dos Poderes, sobretudo por meio da força, não autorizada constitucionalmente. A gravidade é tal que, diferentemente do que ocorre em outras hipóteses de dissonância constitucional, nesse caso, o legislador tipifica a conduta como crime. Como também o faz quando o atentado baseado em violência se faz contra o regime democrático em si”.
A sustentação de Gonet, elogiada por juristas, traz esperanças a quem não se esqueceu dos traumas que a primeira anistia sedimentou em companheiros que vivenciaram um dos períodos mais pavorosos da história do Brasil: a ditadura militar de 1964. Militantes como Sandra Mayrink Veiga, uma das vozes de resistência ainda vivas e combativas no Sul Fluminense, sabem bem por que crimes desse tipo não podem ficar impunes. “Nós que sofremos diretamente com a ditadura não queremos ficar rememorando tudo, até porque é muito doloroso, MAS SIM QUEREMOS DENUNCIAR A IMPUNIDADE DOS ASSASSINOS E T0RTURADORES. Continuamos nessa luta pelo julgamento dos assassinos durante a ditadura POIS A HISTÓRIA NOS ENSINA, MAS MUITOS NÃO APRENDEM e continuam articulando e promovendo golpes contra o Estado de Direito. Queremos que os responsáveis por todas essas barbáries sejam punidos para, assim, finalmente, podermos virar esta página. Basta de golpes. O Brasil já conta com 11 golpes e/ou tentativas de golpes”, disparou.
Sandra, uma conceituada jornalista ajudou a organizar a antologia “60 anos do golpe: gerações em luta", uma coletânea de textos de sessenta autores que vivenciaram e resistiram à ditadura militar no Brasil, que deixou um rastro de dor, com mais de 600 mortos e desaparecidos. Com 334 páginas, a obra apresenta uma diversidade de artigos escritos por ex-combatentes que enfrentaram o golpe e a ditadura, ex-integrantes da Comissão Nacional da Verdade, participantes do MG68, intelectuais, acadêmicos e representantes de diferentes segmentos da sociedade, incluindo Sandra.
Para Sandra, os parlamentares e as pessoas que apoiam a anistia dos golpistas o fazem por diferentes razões. A primeira delas é liberar Bolsonaro para ser candidato à presidência em 2026 “Ele ainda tem bastante força popular e vários parlamentares, prefeitos e vereadores pelo país afora acham que seria interessante remar a favor dessa maré”.
Sandra defende ainda que os viúvos da ditadura não se contentaram com os espólios e o cenário de terra arrasada deixado pelo anos de chumbo. Querem mais. “Temos uma quadrilha organizada no Congresso e de costas para as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Eles nunca aceitaram a redemocratização e estão sempre querendo fazer parte diretamente do poder. A direita pode dar golpe através do que ficou conhecido como Lawfare, ou seja, uma forma de guerra através do direito, do judiciário como foi a chamada Lava Jato. O próprio vice-presidente do Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, declarou isso em uma palestra no Sul. Só que na tentativa de golpe do 8 de janeiro eles por incapacidade estavam contando ainda com as Forças Armadas, principalmente o Exército e a Marinha”, pontuou a militante.
Lançamento do livro na livraria Gregas & Troianas em Resende - abril de 2024
Sandra segue fazendo questão de reafirmar que a anistia representou uma injustiça para o país e espera que não se repita no caso Bolsonaro e dos demais envolvidos na trama, principalmente os que compõem o alto escalão das forças armadas. “A falta de uma JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO no Brasil que retirasse todo o entulho da Ditadura tais como a Lei de Segurança Nacional que foi reutilizada pelo governo Bolsonaro contra seus opositores; a falta de punição de todos que violaram barbaramente os direitos humanos com tortura e assassinato bem como todos os mandantes, permitiu que depois da abertura setores da extrema direita se reorganizassem já que nunca aceitaram a redemocratização. Começaram a trabalhar para uma estratégia de longo prazo”, condenou Sandra.
Mas a jornalista vislumbra um horizonte de possibilidades à democracia. “Eu estou otimista com relação a isso. Acho que desde o ano passado vislumbramos bons resultados com os debates que tiveram início em abril e percorreram o ano todo pelo país afora sobre os 60 anos do golpe de 64 e as lutas das gerações contra a ditadura e com as denúncias dos horrores que os militares, com apoio de empresários, da igreja católica, da TV e Jornal Globo e outros cometeram. Inclusive, quem se interessar por este tema recomento o livro “60 anos do golpe de 64: gerações em luta” que ajudei a organizar e que está disponível gratuitamente no site “dowbor.org”.
Por Vinícius de Oliveira
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