quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Levante: 12 anos de luta organizando a juventude

 

Foto 1: Primeira reunião de 2024 da célula de Resende, Parque das Águas, janeiro de 2024 

Alvaro Britto*

 Em 5 de fevereiro de 2012, 1,2 mil jovens de 17 estados brasileiros, reunidos em Santa Cruz do Sul (RS), decidiram criar o Levante Popular da Juventude, uma organização de militantes de todo o país que atuam na luta de massas em busca de transformações estruturais na sociedade.

A data marcou o encerramento do I Acampamento Nacional do movimento, que em 2023, às vésperas do seu 12º aniversário, realizou o seu IV Acampamento Nacional em Brasília (DF).

Coerente com seu compromisso político e linha editorial de fortalecer e abrir espaço para os movimentos populares que lutam pela transformação estrutural da sociedade, o Pavio Curto entrevistou no final de janeiro lideranças que estão reorganizando o Levante Popular em Resende, no Sul Fluminense. Isso porque o movimento já existiu na cidade entre 2015 e 2018.

Desde 2023, o novo grupo vem realizando várias ações junto à juventude trabalhadora, estudantil, mulheres, negros, LGTQIA+ e periférica, além de participar das lutas mais gerais da população, através da Frente Popular Democrática.

A entrevista aconteceu no Parque as Águas, antes da primeira reunião da célula de Resende em 2024. O Pavio te convida a conhecer um pouco das posições políticas, ações e propostas do Levante Popular da Juventude em Resende através da fala de suas lideranças Alessandro Henrique, Ana Souza e Luis Felipe. Bora?!


Alessandro:Resende tem um governo muito fechado à participação popular, pouco transparente, sem diálogo com os movimentos populares” 

Alessandro Henrique tem 19 anos e nasceu em Resende. É estudante de Direito, membro da Federação Nacional dos Estudantes de Direito (FENED) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. Atualmente faz estágio no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. É coordenador do Levante Popular da Juventude em Resende, membro do Conselho Municipal de Saúde e filiado ao Partido dos Trabalhadores, o PT. Luís Felipe tem 18 anos e também nasceu em Resende. É estudante do Ensino Médio no Colégio Estadual Pedro Braile Neto. “Vou completar o curso esse ano!”, afirmou ele. Também é coordenador do Levante Popular da Juventude em Resende. 

Foto 2: Evento da Câmara Municipal de Resende, 2023


Pavio Curto: o que é o Levante Popular da Juventude?

Alessandro: O Levante é um movimento social, é um movimento estudantil e político por si só, tendo em vista que ele agrega tantos setores estudantis, como a gente tem representatividade na UNE, na União Brasília de Estudantes Secundaristas, assim como também atuamos em frentes sociais. Há pouco tempo aconteceram chuvas fortes no Rio e Baixada. O Levante esteve lá presente ajudando, recolhendo e entregando cestas básicas. Então em qualquer causa social o Levante também está dentro. Ele faz parte dessa conjuntura social e estudantil, e às vezes política também, porque o Levante constrói algumas campanhas, como por exemplo da Marina do MST. Então o Levante popular nasceu dessa sede de colocar o Brasil mais popular, o Brasil para a juventude, porque a gente tem visto essa versão elitizada do Brasil. Onde o jovem, o preto, o pobre não conseguem adentrar as camadas sociais e as esferas políticas e institucionais mais altas. Então, assim, conforme diz o nosso nome, é o levante popular da juventude, a gente quer traçar um Brasil popular, a gente tem um projeto popular pro Brasil, isso se encontra no nosso site, a gente tem um estatuto, nossas cartas de princípios. A gente é isso, é um movimento social, estudantil, que tenta fazer um Brasil diferente, mais igualitário e mais popular pra juventude, lutar pela construção do socialismo.

Luís: Gostaria de acrescentar também a nossa participação na luta pela Democracia através da Frente Popular Democrática, e isso é bastante importante para a gente conversar com a galera pra que ela entenda a importância das liberdades democráticas.

Alessandro: O Levante vai ter agora em 2024 o congresso nacional, onde a gente vai refazer nossas cartas de princípios, porque elas se atualizam de quatro em quatro anos, e fica disponível no site pra todo mundo consultar os valores, o que a gente tem como objetivo e tudo mais.

Pavio: Vocês têm uma referência importante no MST. Qual é a relação de vocês com a MST? Uma relação mais orgânica ou uma simpatia?

Alessandro: O Levante e o MST, uma coisa que eu percebi desde o começo, quando entrei no movimento, têm uma relação muito intrínseca. Eu acho que o Levante constrói bastante junto com o MST, muitas causas do MST o Levante constrói. Além das campanhas também, como da Marina aqui no estado do Rio. E assim, eu acho que não tem um motivo específico, tem bastante parceria entre nós, é uma simpatia que a gente tem enquanto movimento popular. A Via Campesina também, o Levante é muito próximo da Via Campesina. É uma proximidade que outros movimentos não têm tanto. Você pega, por exemplo, a UJC, até mesmo a UJS, não têm tanta proximidade com a MST como o Levante. É uma questão de uma ajuda mútua na luta, no que a gente busca. A gente também tem uma luta pela reforma agrária, assim como o MST, e ajudamos a construir esse setor.

Pavio: Como nasceu o Levante em Resende? Nasceu ou foi reconstruído? Porque o Levante já existiu há alguns anos em Resende… duas queridas amigas minhas eram militantes, a Nicole e a Amanda…

Alessandro: Alguns anos atrás, inclusive, eu conheci uma companheira do Levante antigo que tinha em Resende. Ela disse pra mim que o Levante daqui era forte. Tinha bastante atuação, mas acabou. Eu não sabia que houve Levante aqui em Resende. Daí, a gente reconstruiu o Levante aqui a partir da ótica de ter uma força de juventude orgânica e que consiga unificar a luta dos estudantes. Eu, antes de ser do Levante, eu era da Correnteza. É um movimento bem distinto. E eu entrei pro Levante justamente depois de conhecer o movimento, ver sua causa social, não só o academicismo. E aqui em Resende a gente foi tratando tudo de maneira orgânica, a gente teve nossos atos. A gente primeiro foi pro Congresso da UNE, lá em Brasília. Depois fundamos a célula de Resende, começamos a ter nossas reuniões, mais jovens começaram a se interessar. E assim surgiu esse desejo de reconstruir o Levante aqui em Resende. Foi difícil no começo? Foi. Tivemos alguns problemas com alguns companheiros. Mas conseguimos reconstruir o Levante Populado de Juventude aqui. Fizemos nosso ato de fundação, fizemos vários atos, a gente fez várias coisas legais. Fizemos um evento grande lá na Câmara, foi bastante gente, com mais de 40 pessoas. Então assim, a gente surgiu disso, dessa unificação dos problemas dos estudantes. A gente tá na faculdade, mas tem o Luis que tá no ensino médio, a gente tá traçando metas pra poder se posicionar contra o novo ensino médio, que é muito importante. A gente tá tendo parceria com professor do Pedro Braille. Então o Levante surgiu assim, de maneira orgânica, fazendo nossas reuniões e a gente fundou nossas células e agora a gente tá multiplicando as células. Estamos organizando a célula de secundaristas, a célula de universitários e assim dividir mais ainda, ter célula em Quatis. 

Foto 3: Curso com coordenadores de células do Levante – UFRRJ, 2023


Pavio: Quais os principais problemas da juventude em Resende?

Alessandro: Problemas de várias cidades mas que são agravados em Resende. Mobilidade urbana, por exemplo, aqui é uma porcaria. Um exemplo: no Carnaval tem o bloquinho no centro da cidade. Mas como os jovens de periferia vão vir e depois voltar pra casa se não tem ônibus disponível. O novo Ensino Média aparece como problema em todas as reuniões. Falta de cursos profissionalizantes, de emprego para os jovens. Falta de reconhecimento da identidade e orientação sexual. Alguns problemas são universais, mas precisamos buscar soluções na nossa cidade. As politicas públicas de saúde para a população LGBTQIA+, por exemplo, precisam melhorar muito em Resende.

Pavio: Qual a avaliação do novo Ensino Médio?

Luis Felipe: Estamos vivenciando um superproblema nessa questão porque o Enem está igual ao ano passado. A galera que saiu do terceiro ano que se formou ano passado teve todas as matérias completas porque estava no ensino antigo. Nós que estamos no novo temos sérios problemas porque tiraram matérias importantes como química, geografia, história, biologia, filosofia. No lugar delas colocaram itinerários e escolheram blocos formativos, que pra gente não vai ajudar em nada porque só deixaram de disciplina inglês, que não utilizamos tanto, português, matemática e sociologia. O resto tiraram, sumiu, desapareceu por conta desse novo ensino médio. A luta contra o novo ensino médio é uma das nossas pautas prioritárias porque é uma grande dificuldade que a gente está tendo, todos os estudantes, e também os professores que não tiveram preparação suficiente. Eles não têm uma matéria para ser passada para a gente. Eles até ajudam o que podem, mas são cobrados pelas matérias do bloco formativo. E no terceiro ano, pelo que eu vi, tá um absurdo o cronograma da gente, então agora nesse último ano, vamos passar perrengue.


Foto 4: IV Acampamento do Levante, 2023

Pavio: Vocês têm algumas ideias para atuar junto aos diversos segmentos da juventude além dos estudantes, como jovens trabalhadores, mulheres, negros, LBTQIA+ e até os cadetes, por que não? 

Alessandro: Sim, sim. Mesmo com uma célula nova recente, estamos fazendo agora multiplicação de célula. Até então era tudo em uma só. A gente tinha estudante universitário e outros segmentos da juventude, todos na mesmo célula. Estamos fazendo agora esse processo de multiplicação, porque sabemos que a luta que eu tenho lá na Dom Bosco, não é a mesmo que se repete para um estudante do ensino médio, ou para um jovem de periferia, ou para uma mulher. Então, a gente está destacando quadros para atuar nas frentes. Aninha, por exemplo, é nossa referência em mulheres. Esses quadros estão se colocando e pautando as questões de demandas, como, por exemplo, do povo preto, da população LGBTQIA+, das mulheres. Estamos fazendo aos poucos, meio atrasados, porque tivemos problemas que aconteceram no início da célula, como eu disse. A gente está dividindo os setores, destacando os quadros, e pensamos em abranger todo mundo, toda a juventude mesmo.

Pavio: Como vocês se relacionam com o poder público local, como Prefeitura e Câmara?

Alessandro: A gente estava tendo uma relação muito boa com alguns vereadores da Câmara. mas a grande maioria tem um pouco de represália pelo Levante. Eu tentei marcar uma reunião, por exemplo, com uma vereadora. Aí eu falei que estava representando a juventude ela perguntou assim, “ah, identificação, qual o movimento?”. Eu falei, ela nunca mais me respondeu. Fora isso o, a gente está tendo uma relação assim, um pouco conturbada e bem pequena com as instituições. Vale ressaltar que essa relação problemática é também com as instituições de ensino. Mas é uma coisa que a gente já espera. Por estar atuando com os estudantes, por ser de esquerda e por lutar contra o sistema, já esperamos que tenhamos essas represálias. Mas nossa relação com as instituições tá sendo muito pequena. São muito poucos que aderem ao movimento e ajudam. 

Foto 5: Roda de Capoeira no Parque das Águas, 2023


Pavio: Qual a avaliação sobre um ano do governo Lula?

Alessandro: Considero um bom governo, já que em um ano ele conseguiu fazer muitas coisas, e pros estudantes também, como por exemplo o Pé de Meia. Agora o estudante tem uma bolsa que ele pega no final do ensino médio de 9.200, que é um incentivo muito bom pra pessoa terminar os estudos. A gente tem vários outros programas do governo, a questão do custo de vida, que realmente tem caído nos produtos essenciais, isso vemos no mercado. Claro que os preços variam, depende da época, da chuva, do calor excessivo. Não tem como controlar. Mas na época do Bolsonaro o povo tinha que comprar osso. As ações do governo Lula têm sido positivas, na minha opinião, principalmente para a juventude. A gente teve um evento em Brasília que o Lula participou, tirou foto com o pessoal do Levante e tudo. Nossa companheira Aninha chegou a participar de um evento com o Lula. Ela jura que ele fez um coração para ela. Falei: amiga, eu acredito. Mas a minha avaliação do governo Lula é essa. Os programas sociais voltando, bolsa família com mais de 600 reais. São coisas que realmente têm agregado a população mais pobre. Eu vi também a notícia do imposto de renda. Muito justa. E são coisas assim que o governo Lula tem feito. O salário mínimo subiu, agora ele cresce acima da inflação, muito bom. São coisas assim pertinentes. Algumas coisas realmente eu tenho críticas, mas é assim em qualquer governo. A gente tem que ter nossas críticas sempre. Mas eu tenho achado o governo muito positivo. 



Pavio Curto: E o governo municipal, como está?

Alessandro: Resende tem um governo muito fechado à participação popular, pouco transparente, sem diálogo com os movimentos populares. Não temos abertura para políticas sociais como com o governo Lula. Esperamos mudar isso com a eleição municipal deste ano


Pavio Curto: Há alguma orientação do Levante sobre a participação nas eleições, como fez o MST em 2022 e repetindo agora em 2024?

Alessandro: Estamos avaliando de lançar a minha candidatura a vereador com o apoio do Levante. Essa é orientação. Muita conversa, muito diálogo, uma construção coletiva até o lançamento. Resende precisa de uma campanha de um vereador jovem que defenda as pautas da juventude. E contaremos com o apoio dos quadros que ajudamos a eleger, como a Marina do MST, por exemplo. 

Foto 6: Semana Científica no CE Pedro Braile Neto, 2023


Pavio Curto: E para a prefeitura?

Alessandro: Na eleição para o executivo, já decidimos o apoio ao Derik, do PT. O Levante pretende inclusive destacar militantes para montar e executar a campanha. A nível municipal isso já está fechado. A nossa relação na célula de Resende é muito democrática e de muito diálogo e construção coletiva. Temos uma relação muito boa. 


Pavio Curto: Por que o PT?

Alessandro: É o Partido mais forte da região e também o partido do presidente Lula. Pela sua história de lutas, sua ligação com o movimento sindical. Claro que como é um grande partido, tem várias correntes e algumas que não simpatizamos muito. Para lutar contra o sistema e construir uma nova sociedade, precisamos de um partido forte com história, de luta e com participação dos trabalhadores. E quando esteve no governo, realizou várias políticas em benefício do povo pobre do Brasil. Eu por exemplo, só estou na faculdade devido a um programa do governo do PT, o Prouni. 



Foto 7: Aninha no trabalho de base, 2023


Aninha: “Resende é uma cidade conservadora. Não é impossível mudar isso, estamos no caminho para mudar. Eu sou jovem, tenho 20 anos, e eu quero mudança.”


Ana Souza Martins, a Aninha, tem 20 anos, é natural do Paraná e está em Resende há 16 anos. Estudante de Direito, é da coordenação do Levante Popular da Juventude de Resende.

Pavio Curto: Quais os principais problemas das mulheres jovens de Resende?

Ana Souza: Os principais problemas que eu vejo na maioria das cidades pequenas, como Resende, são as limitadas oportunidades educacionais e profissionais. Também a falta de acesso a serviços especializados de saúde, sem contar com os estigmas sociais. Além disso, a pressão social que a gente sofre é muito maior do que os homens, com todas essas expectativas tradicionais, conservadoras, que podem influenciar as nossas escolhas e a nossa liberdade pessoal. Isso gera traumas e necessidade de certas terapias, que não são de fácil acesso na rede pública de saúde. Sem contar na famosa frase que a política é para os homens, dificultando que as mulheres em Resende participem da política. Em todas as cidades pequenas da região a gente tem essa dificuldade, porque elas tendem a serem mais conservadoras. Resende é uma cidade conservadora, então a mulher tende a ter uma dificuldade muito maior do que um homem dentro da política aqui na cidade.

Pavio: O Levante pretende atuar junto às mulheres jovens da cidade?

Ana: Como o próprio nome já diz, Levante Popular da Juventude, o popular diz muito sobre isso. São os LGBTQIA+, são os negros da classe trabalhadora e as mulheres, principalmente. Então, sim, o levante tem propósito de atuar junto às jovens mulheres, inclusive o Levante sempre coloca mulher na coordenação. Mesmo quando existem coordenadores homens, a gente sempre bota uma mulher para falar, sempre nesse intuito de ter uma mulher na frente. Sem o feminismo, não há socialismo, não há revolução, não há mudança, não há política!


Foto 8: IV Acampamento do Levante, 2023

Pavio: Na reunião de janeiro da célula só tinha você de mulher de Resende. Mas nos encontros nacionais do Levante a maioria é de mulheres. Essa dificuldade é um problema específico de Resende? Por quê?

Ana: Volto a repetir que Resende é uma cidade conservadora. Não é impossível mudar isso, estamos no caminho para mudar. Eu sou jovem, tenho 20 anos, e eu quero mudança. Eu não estou aqui para me mostrar, falar, eu estou aqui para mudança. Então, eu vejo que as mulheres passam por um problema aqui em Resende por ser uma cidade pequena. Se numa cidade grande gera polêmica, imagina aqui a mulher ser mulher e não ter atitude de homem. Ou uma mulher que quer fazer parte da política tendo uma atitude que seria aplaudida se fosse um homem fazendo. Então, toda essa polêmica social gera mais calor em Resende por ser uma cidade assim, com a maioria das pessoas de direita, botando essas expectativas conservadoras, com pessoas conservadoras no poder. Então, tem essa dificuldade de ter mulher na política. E eu vejo que é um problema bastante grande em Resende, talvez o principal.


Foto 9: Banquinha do PT-Resende na Feira da Beira Rio, 2023

Pavio: Por que a escolha pela filiação ao PT?

Ana: A escolha pelo PT é não só por eu me identificar com o partido, mas também porque ele é gigante, é a fonte popular democrática, literalmente. É no PT que eu vejo mudança, vejo caminhos, é nele que podemos falar, gritar, correr. É ele que tira o povo da miséria. É o partido do presidente Lula. Eu tô com 20 anos de idade, só por eu ser filiada, só por eu ser do PT, eu já tenho caminhos abertos para a mudança. É o partido que eu vejo mudança mesmo. E tem muita polêmica, claro, porque aquilo que tem muita história tem muita polêmica, isso é indiscutível. E eu vejo a própria classe trabalhadora dentro do partido. Então, eu tô com o PT. Por isso eu escolhi o PT. Eu não preciso falar aqui dos benefícios, mas é onde vejo mudança. O maior significado de mudança é democracia. Mudança e democracia são as palavras que mais caracterizam o PT


Foto 10: Festa de Natal da Frente Popular Democrática de Resende, 2023


* Jornalista do Pavio Curto


terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Organização e funcionamento do Levante Popular da Juventude - Brasil

 

Foto 1: Lula no 3º Acampamento Nacional do Levante – Belo Horizonte (MG), 2016


O Levante Popular da Juventude é uma organização de jovens militantes voltada para a luta de massas em busca da transformação da sociedade. SOMOS A JUVENTUDE DO PROJETO POPULAR, e nos propomos a ser o fermento na massa jovem brasileira. Somos um grupo de jovens que não baixam a cabeça para as injustiças e desigualdades.

 A nossa proposta é organizar a juventude onde quer que ela esteja. Deste modo, nos organizamos a partir de três campos de atuação: 

1) no meio estudantil secundarista e universitário; 

2) nas periferias dos centros urbanos e 

3) nos setores camponeses. 

 

Foto 2: Escracho na casa de torturador em Belo Horizonte (MG), 2014 – Arquivo Levante



Nesta última frente de atuação também articulamos a juventude dos movimentos sociais, em especial da Via Campesina. Portanto, o Levante é composto hoje por jovens exclusivamente do movimento, bem como jovens que constroem outros movimentos sociais que acreditam no projeto popular.

 Nosso principal objetivo é multiplicar grupos de jovens em diferentes territórios e setores sociais, fazendo experiências de organização, agitação e mobilização. Também queremos ir em busca de força motriz da Revolução Brasileira, ou seja, ter inserção social em diferentes categorias do povo que possam vir a levantar-se no novo período, que virá, de ascenso das lutas.

Enxergamos um mundo dividido entre aqueles que exploram e oprimem e aqueles que trabalham e que têm o fruto de seu trabalho roubado. Esse é o sistema capitalista-patriarcal-racista, que cria uma relação de dominação entre culturas e povos, destrói o meio ambiente, oprime e explora as mulheres, assassina a juventude negra, silencia gays e lésbicas e tolhe, cotidianamente, todos os nossos sonhos.

 

Foto 3: Escracho na Rede Globo de TV – Rio de Janeiro (RJ), 2017 – Arquivo Levante


Entendemos que só com o povo unido, metendo a mão junto, é possível construir o novo mundo que sonhamos. Para isso é preciso apresentar um projeto de nação diferente, que derrube o projeto das classes dominantes onde uma pequena parte da população explora e domina a maior parte.

A construção do Projeto Popular para o Brasil nada mais é do que a conquista das reivindicações históricas que sempre nos foram negadas pelos poderosos de nosso país, como educação, saúde, transporte, cultura, esporte e lazer que sejam realmente públicos e de qualidade bem como o trabalho decente que possa dar ao jovem a oportunidade de ter uma vida digna. A solução de tais problemas, que atingem a grande maioria da população, só virá a partir da reorganização radical da nossa sociedade, ou seja, devemos fazer uma revolução.

Nosso movimento se baseia num tripé:

1. Organização (acúmulo de forças);

2. Formação (práxis* transformadora);

3. Lutas (atacar o sistema).

*Práxis = teoria + prática

 

Foto 4: Escracho na casa de Temer – São Paulo (SP), 2016 – Arquivo Levante


O Levante organiza a juventude para fazer denúncias à sociedade por meio de ações de Agitação e Propaganda (agitprop), ou seja, várias técnicas de comunicação e expressão da juventude com o povo, como músicas, grafismo (graffite), dança, teatro, fanzines, faixas, adesivos, murais, gritos de luta, etc.

O conceito clássico de movimento social se relaciona à existência de uma ou mais bandeiras de luta que unifiquem os sujeitos envolvidos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo, lutam pela reforma agrária popular, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) lutam contra a forma injusta de construção das hidrelétricas, etc., ou seja, faz parte do grupo quem se identifica com sua pauta reivindicatória e se engaja por essas conquistas. O diferencial do Levante é que não elegemos bandeiras prioritárias, mas nos colocamos ao lado das mobilizações que reivindicam melhores condições de vida para a juventude brasileira. Num contexto onde falta quase tudo na vida cotidiana do jovem, nosso método é mostrar que sem a organização coletiva e luta nenhuma conquista verdadeira é possível.


 
Foto 5: Escrachos nas casas de torturadores – vários estados, 2012 – Brasil de Fato


A perspectiva que o Levante oferece é a possibilidade de estar organizado/a coletivamente para viver e para lutar. Fora da organização as ações isoladas de um indivíduo, por mais justas que sejam, não tem sucesso. Portanto, o que o Levante possibilita às pessoas é o reconhecimento da sua condição de sujeitos e a construção de possibilidades para que estes recuperem a sua capacidade de intervenção política.

Entre em contato com o Levante sua cidade. O importante é estarmos sempre em movimento, organizando a juventude do povo brasileiro, acumulando forças para a construção do Projeto Popular.

 

“Se eles não nos deixam sonhar,

não os deixaremos dormir."

 

Somos o Levante Popular da Juventude!

 

 

Foto 6: Escracho na casa de Bolsonaro – Rio de Janeiro (RJ), 2016 – Arquivo Levante



Fonte: https://levantepopulardajuventudern.blogspot.com/





Carta compromisso de fundação do Levante Popular da Juventude - Brasil

Foto 1: I Acampamento Nacional do Levante Popular da Juventude, 5 de fevereiro de 2012, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil – Arquivo Levante


Nós, do Levante Popular da Juventude, no momento em que fundamos nossa organização, em nosso I Acampamento Nacional, com a participação de 1200 jovens de 17 estados brasileiros, nos comprometemos com a transformação profunda da realidade em que vivemos.


Enxergamos um mundo dividido entre aqueles que exploram, e as trabalhadoras e os trabalhadores que têm o fruto de seu trabalho roubado. Esse é o sistema capitalista-patriarcal-racista, que mundialmente estabelece as formas de organização da sociedade na sua forma imperialista. Ele cria uma relação de dominação entre culturas e povos, destrói o meio ambiente, oprime e explora as mulheres, assassina a juventude negra, silencia gays e lésbicas e tolhe, cotidianamente, todos os nossos sonhos.


O Brasil é um país de natureza e cultura fantásticas, mas carregamos as dores da escravidão, o saqueio das grandes potências, e uma história de uma elite dependente, mas que sempre concentrou o poder em suas mãos. Os meios de comunicação, a terra, a água, energia, a educação, o lazer e a oferta de saúde de qualidade ainda estão nas mãos dessa elite. Aos trabalhadores, restaram somente as periferias das grandes cidades, as encostas de morro e as beiradas de rio, extensas jornadas de trabalho e salários miseráveis; no campo, a reforma agrária e a produção de alimentos foram deixadas de lado e substituídas pela utilização de transgênicos e agrotóxicos, tudo orientado para a exportação.

   

Foto 2: Lideranças populares no I Acampamento Nacional do Levante - Arquivo Levante
 

Nós, jovens, estamos no meio desse furacão: no campo, nas periferias e favelas, nas escolas e universidades, no trabalho. Somos constantemente disputados pelo projeto capitalista. É em contraposição a este projeto que nos lançamos ao desafio da construção do Projeto Popular.

Por isso, nos comprometemos:

  • Com a luta pela construção de uma democracia popular, que socialize com qualidade as terras, a água, a energia, os meios de comunicação, o acesso à saúde, à educação, à moradia, ao transporte.
  • Com a luta pela soberania, porque os povos devem tomar seu país e sua história nas mãos, sem serem sujeitados pelo imperialismo ou outros poderosos. O desenvolvimento deve ser ambientalmente sustentável e estar voltado ao interesse do povo.
  • Com a prática permanente de solidariedade com todos os povos que sofrem e lutam. Com atenção especial para nossos hermanos latino americanos, que carregam a mesma história de opressão e luta que nós.
  • Com a luta contra o machismo, na sociedade e dentro de nossa organização, pois, se os trabalhadores são explorados pelo sistema capitalista, as mulheres são duplamente oprimidas e exploradas: enquanto trabalhadoras, e enquanto mulheres, pelo sistema patriarcal. Temos que estar lado a lado com as organizações do movimento feminista no combate ao patriarcado, à violência sexista e à mercantilização do corpo e da vida das mulheres, assim como fomentar a auto-organização das mulheres do Levante.

Foto 3: Debate ao ar livre no I Acampamento Nacional do Levante - Arquivo Levante

  • Com a luta contra o racismo, dentro e fora de nossa organização, porque a população preta é a mais explorada da classe trabalhadora e mesmo depois de 124 anos da falsa abolição continua sendo o alvo preferencial da violência de Estado. É necessário lutarmos junto ao movimento negro e outras organizações antirracistas para que possamos construir uma sociedade livre do racismo.
  • Com a luta contra a lesbofobia, a transfobia e a homofobia, também dentro e fora de nossa organização,  porque não existem relações afetivas mais normais e comuns que outras, e nenhuma orientação sexual deve ser motivo para legitimar desigualdades e opressões.
  • Com a luta por um projeto de educação que sirva aos interesses do povo. Por isso, defendemos que exista um número suficiente de vagas tanto em creches quanto em escolas secundárias e universidades, bem como cotas sociais e raciais, no campo e na cidade. Por isso, também reivindicamos os 10% do PIB para a educação; a educação só terá qualidade se estiver voltada para os interesses do povo, atendendo todas e todos.
  • Com a luta por transporte público, gratuito e de qualidade, enfrentando os aumentos nos preços de passagem.
  • Com a luta por ampliação do acesso à cultura e ao lazer, contra sua mercantilização. Lutaremos para que existam mais possibilidades de produção e troca culturais, como música, teatro, artes visuais, cinema, dança, e tantas outras formas de expressão. Também utilizaremos da cultura e do lazer como formas de resistência, de resgate da nossa história e da nossa identidade de povo brasileiro.
  • Com a luta contra o trabalho precarizado e informal. A luta pela garantia e expansão dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras (exploradas duplamente, no local de trabalho e em casa) é essencial para a criação de um país menos desigual. Pela jornada de 40 horas semanais, sem a redução de salários.
Foto 4: Palestra no I Acampamento Nacional do Levante - Arquivo Levante

Sabemos que para isso é extremamente necessária a massificação desta luta, trazendo cada vez mais jovens para o nosso projeto, porque só a juventude tem a força necessária para transformar essa sociedade. É com o trabalho coletivo, combatendo o individualismo e a estagnação, que tomaremos o futuro em nossas mãos. Esse é o caminho para a liberdade com que tanto sonhamos e precisamos para viver.


Construiremos uma organização com coerência: devemos fazer o que dizemos e dizer o que fazemos; com autonomia, construída por aqueles que trabalham no Levante; com estudo e disciplina, para dar cada passo com firmeza, conhecendo com profundidade o caminho que devemos trilhar; com o exercício de crítica e autocrítica, porque não devemos temer ou ocultar os erros, mas enfrentá-los de frente, para, então, superá-los.


Entendemos que serão esses compromissos que garantirão a construção do Levante Popular da Juventude, do Projeto Popular e da Revolução Socialista brasileira. A tarefa não é fácil: não esperamos ter todas as respostas nem construir tudo isso sozinhos, mas nos desafiaremos a dar tudo o que pudermos, porque devemos nos construir como a juventude que ousa lutar, que constrói alternativas e que é parte do povo brasileiro. Somente com alegria, amor e muita animação chegaremos lá!


Juventude que ousa lutar constrói o poder popular!

I Acampamento Nacional do Levante Popular da Juventude, 05/02/2012, Santa Cruz do Sul, RS



Foto 5: Bateria anima os jovens no I Acampamento Nacional do Levante - Arquivo Levante
 
  

Fonte: https://levantepopulardajuventudern.blogspot.com/

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

 




Entrevista explosiva publicada no Pavio Curto em abril de 2001


Dom Waldyr: ”Saímos da ditadura militar para a ditadura do capital”

O encontro com Dom Waldyr Calheiros foi na Cúria de Volta Redonda, na tarde quente e chuvosa de 8 de março de 2001, Dia Internacional da Mulher. Durante mais de uma hora, a equipe do Pavio Curto ouviu uma verdadeira aula de história e cidadania.

O bispo emérito da Diocese de Barra do Piraí e Volta Redonda foi entrevistado por Alvaro Britto, Clóvis Lima, Andresa Gil, Dodora Mota e João Henrique Barbosa. Falou-se de ditadura militar, capitalismo, Igreja, movimento sindical, juventude, mídia, Henfil, mulher, imprensa alternativa e esperança.  

Alvaro – 37 anos depois do golpe militar e 16 após a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, ainda vivemos em uma ditadura?

D. Waldyr – Nós saímos da ditadura militar, mas o capitalismo procurou outro caminho para manter a sua dominação. Eles mandaram os militares de volta aos quartéis e implantaram o neoliberalismo. São cartas marcadas mundialmente, principalmente após o fim do modelo do socialismo real. Saímos da ditadura militar para a ditadura do capital. Mas já começa a haver uma reação contrária, um descontentamento geral de âmbito internacional. Os ditadores, como sempre, procuram não escutar. Querem só mandar. O resultado é o aumento da exclusão. Antigamente, chamávamos de marginalização. O marginal ainda estava na margem. Agora está excluído. 

Dodora -  Então a exclusão é um aprofundamento da marginalização?

D. Waldyr – A exclusão é muito pior. Na marginalização ainda havia possibilidade de pelo menos algumas migalhas chegarem à margem. E aí havia motivação para se brigar, lutar, reunir. Exclusão é não tomar conhecimento daqueles que não interessam à acumulação de capital. O próprio presidente Fernando Henrique confessou que o governo não tem solução para os excluídos. O pior é que a exclusão não ficou estabilizada. Ela cresce a cada dia. Aí está a iniquidade: um pequeno grupo está cada vez mais rico. 

Alvaro – E como sobrevivem os excluídos? 

Eles dependem do assalto, da violência, do tráfico de drogas. A sociedade não oferece outro caminho. 

Dodora – Os capitalistas perderam o controle da situação ou tudo isto já era previsto?

D. Waldyr – Eles já tinham conhecimento dessas consequências. Se entenderem que o atual modelo está esgotado, procuram outro para manter a mesma dominação e a mesma iniquidade com uma cara nova. Isso se não houver uma reação globalizada contra esse sistema.

João Henrique -  Na ditadura, a sociedade se organizou, enfrentou e derrotou o regime militar. E hoje, qual o caminho para mobilizar os excluídos contra o neoliberalismo?

D. Waldyr – Os excluídos vivem no desespero. Antigamente, as classes populares pelo menos tinham o pé em alguma atividade social. Já os excluídos não têm nenhuma esperança de colocar o pé e firmar-se na sociedade. O que vemos é uma minoria consciente que luta por espaços dentro da atual situação. Mas estes espaços ainda são pequenos. Antigamente, os movimentos populares da região tinham grande apoio do Sindicato dos Metalúrgicos. Hoje, isso acabou. Algumas organizações não governamentais, as ONGs, começam a incomodar, assumindo posições definidas em torno da miséria, mas ainda limitadas às consequências do modelo existente. Todavia, não se comparam à força que tínhamos nos sindicatos. O que foi mais atingido foi o relacionamento da produção, a relação entre capital e trabalho. Todas as vantagens da tecnologia e da mecanização serviram para concentrar ainda mais a riqueza e enfraquecer o trabalho. Eu vejo com muita esperança o Movimento Sem Terra. Os poderosos estão investindo tudo para abalar e desmoralizar o MST.  Precisamos, todos que estão na luta, fazer mais força onde a força está aparecendo, apoiando o MST.

Alvaro – Apesar do enfraquecimento dos movimentos populares, a oposição tem crescido a cada eleição...

D. Waldyr – Não basta ser oposição apenas no discurso. O mais importante é a prática, a participação na lutas e organização do povo. Infelizmente, muitos companheiros passaram deste para o outro lado, esquecendo dos antigos ideais. O grande desafio da esquerda é encontrar o caminho para questionar o modelo e ocupar espaços. Hoje não temos mais as certezas do passado. A utopia da libertação se apresentava e nos incentivava a lutar. Os capitalistas conseguiram desmoralizar a alternativa do socialismo, que era o nosso estímulo. Mas precisamos continuar construindo os sinais da nova sociedade. 


Alvaro – Mas boa parte da esquerda hoje nem fala em socialismo. Resume suas bandeiras à ética, democratização e melhor distribuição de renda. Isso resolve?

D. Waldyr – Mesmo quando o socialismo era uma aspiração comum da esquerda, havia uma variedade de modelos socialistas espalhados pelo mundo. Com o fim da União Soviética, apagou-se a luz. Algumas bandeiras que levantamos hoje são ambivalentes. E ética na política é um exemplo. Pode servir para consolidar o capitalismo. Mas alguns dizem que estão desmoralizando o modelo. 

Alvaro – A própria Rede Globo abriu um espaço grande para a campanha contra a corrupção eleitoral no ano passado...

D. Waldyr – Mesmo quem está na luta não tem certeza de nada. Hoje, essas denúncias da forma que são feitas servem para desmoralizar a política e aumentar a falta de credibilidade da população. Cada vez mais, diminuem a esperança do povo. 

João Henrique – Como o senhor avalia a polêmica ACM x Jader Barbalho?

D. Waldyr – A grande imprensa está a serviço da burguesia dominante. E aí transforma a crise em um grande espetáculo para anestesiar o povo em relação aos verdadeiros problemas do país. E ainda passa a imagem de que nunca se teve tanta liberdade para se dizer que ACM é ladrão mas continua roubando e que Jader é ladrão e continua presidente do Congresso Nacional. 

Dodora – O Roberto Marinho participa de tudo isso...

D. Waldyr – Claro. Ele também pertence à esta burguesia dominante. Ele sabe o que é importante e como divulgar. Eles têm clareza que este tipo de crise não possibilita o surgimento de uma alternativa real de poder. Diferente do final dos anos 70, início dos anos 80, quando surgiram o PT, a CUT, o MST. Eu mesmo fui convidado para algumas discussões em São Paulo pelo Lula, Meneguelli e Frei Betto. Hoje existe essa grande polêmica na esquerda, principalmente no PT, entre aqueles que acham que é possível lutar pelo socialismo e aqueles que consideram que o que está aí é o possível no momento. 

João Henrique – A nossa região era bastante politizada. Hoje o movimento popular está praticamente calado. O que a ditadura militar não conseguiu o neoliberalismo conseguiu?

D. Waldyr – Volta Redonda me impressionou muito quando, pouco antes do golpe militar, no histórico comício da Central do Brasil, os trabalhadores da CSN seguravam tochas acesas. Aquilo era um sinal bem forte da garra daqueles operários. Daí a preocupação da burguesia com Volta Redonda. Principalmente pelo grau de organização dos trabalhadores. A ditadura tentou abafar esse fogo, mas o fogo abafado não foi extinto. E de vez em quando levantava uma labareda. O vento soprava e uma chama brotava. Hoje, eles conseguiram acabar com tudo. Começaram pelo Sindicato, derrubando os lutadores que resistiam a tudo isto. Depois a privatização da CSN. Antes, aconteceu a morte de Juarez Antunes. 

Dodora – O senhor acha que a morte de Juarez foi planejada?

D. Waldyr – A morte do Juarez foi matada. Mataram ele. Disso eu tenho certeza. A grande força de Volta Redonda e da região estava em cima do operariado. Antigamente, havia uma sintonia total entre o Sindicato da CUT e outros movimentos populares. Eles acabaram com isso. 

João Henrique – E qual o papel da Igreja Católica nisso tudo?

D. Waldyr – Hoje é um papel muito reduzido. Dentro da própria Igreja houve um freio. Houve um revertério em relação à Igreja do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellin, onde ficou definida a opção pelos pobres, o apoio à libertação do povo oprimido. Não basta aquela dimensão de socorrer os pobres, dar esmolas. O importante é acabar com a causa da pobreza. E a causa da pobreza é o sistema capitalista. Dessa forma, os movimentos populares passaram a ter o apoio da Igreja. Foi aí que os Estados Unidos, o ‘Tio Sam’, fez uma pressão muito forte sobre o Vaticano, começando o recuo da Igreja. O cardeal do Rio, Dom Eugênio Salles, teve uma influência muito grande para deter o avanço da Igreja. Hoje, ela não incentiva mais esse trabalho transformador, libertador. 

Dodora – Mas a miséria só aumenta na América Latina, na África, na Ásia. A Igreja não vai retomar a ação contra isso?

D. Waldyr – Há locais que ainda permanece. Oficialmente, só há pronunciamentos gerais. O próprio papa João Paulo II diz que a Igreja deve ficar ao lados dos pobres. Mas a sua equipe, a Cúria Romana, não avança de jeito nenhum. Até censurou os teólogos da libertação, como Leonardo Boff e Gustavo Gutierrez. Por exemplo, o seu secretário de Estado é um cardeal que declarou ser contra o julgamento de Pinochet porque trabalhou como núncio apostólico no Chile durante a ditadura. E o papa teve que fechar a boca. Portanto, a Igreja vive essa ambiguidade. 

Alvaro – Ao mesmo tempo, cresce o movimento dos carismáticos...

D. Waldyr – Sempre foi difícil trazer a massa da Igreja para a luta. A maioria só pensa no lado religioso. E aí eu concordo com o Marx, que disse que o religioso desligado da vida é alienante: “a religião é o ópio do povo”. Não é por acaso que o Tio Sam investiu na proliferação das igrejas pentecostais, que só pensam lá em cima, não pensam cá embaixo. E parte da Igreja Católica também aderiu. O papa Paulo VI ainda fez algumas restrições mas acabou passando. Mas já está perdendo fôlego. 


Alvaro – E a polêmica da instalação da casa de Custódia na região?

D. Waldyr – Não podemos nos esquecer da raiz de toda essa miséria. Antigamente dizíamos: abra uma fábrica e feche duas penitenciárias. Hoje é o contrário. Se as fábricas estão fechando, é preciso abrir penitenciárias. Ele dão valor extraordinário a isso. Mas significa apenas amenizar um pouco a miséria daqueles que estão lá dentro. Eu vejo isso como uma solidariedade aos nossos irmãos que foram levados a esta situação pela falta de emprego, de educação, de saúde.  

Dodora – Mas alguns políticos têm se aproveitado...

D. Waldyr – Do que é que esses politiqueiros não se aproveitam? O bispo Dom João Messe, em seu discurso, meteu o pau nesses políticos que querem se aproveitar da casa de Custódia para negociar obras e vantagens. 

Dodora – Há um espaço vazio junto aos excluídos que a esquerda não consegue ocupar e que o crime organizado está ocupando. Eu fiquei impressionada com as rebeliões de presos em São Paulo, com o grau de organização e mobilização...

D. Waldyr – Com isso, o governo federal liberou dinheiro para construir onze novos presídios em São Paulo. 

Alvaro – Como o senhor vê o papel da mídia na sustentação deste modelo e como podemos avançar nessa área dos meios de comunicação? 

D. Waldyr – Em todos os momentos da nossa história, ao lado da mídia oficial havia a mídia alternativa, independente. O patrono do Pavio Curto, Henfil, teve um papel fundamental no fortalecimento da imprensa alternativa durante a ditadura militar. Aquilo ajudou muita gente que estava na luta a manter-se informada, consciente da realidade. Eu acho que a imprensa alternativa ajuda uma minoria a manter acesa a chama da esperança na transformação. 

Alvaro – Diz-se muito que a juventude está alienada. O senhor concorda?

D. Waldyr – O que é que este mundo está oferecendo à nossa juventude? Os meios de comunicação oferecem uma música vazia, sem conteúdo. Isto alimenta a caldeira da iniquidade que produz esta exclusão. Não se vê nenhum estímulo à consciência crítica da juventude. Num mundo que cada vez mais necessita de educação, informação, conhecimento, a mídia vai exatamente na contramão. 

Alvaro – Mas uma parte da juventude de hoje será a elite dominante de amanhã. Será que a burguesia não está dando um tiro no pé?

D. Waldyr – A juventude está sendo vítima do que a sociedade está oferecendo para ela. Ela está sendo educada para a alienação total. As drogas são consequência dessa alienação. Um jovem que não tem nenhuma esperança vai experimentar tudo. 

Dodora – Uma minoria da juventude está sendo bem preparada. Em Volta Redonda, a pré-escola e o segundo grau regular não têm vagas suficientes, enquanto a Escola Técnica é privilegiada e tem um ensino de qualidade.

D. Waldyr – O movimento estudantil teve um papel fundamental na informação e conhecimento da juventude. Era uma beleza ver o jovem gritando por mudança, por transformação. Hoje há uma política de privatização do ensino e da universidade pública. Isso reduz o acesso daqueles que têm mais aspirações de transformação social à universidade, ou seja, a conhecimentos mais aprofundados.

Alvaro – Apesar de tudo, a burguesia consegue manter a situação sob controle...

D. Waldyr – Houve uma grita geral contra a dívida externa. Até o papa, mesmo sem saber direito o que estava falando pediu o perdão da dívida. Mas ficamos com uma interrogação. Quem vai controlar o dinheiro que o país deixar de pagar? É a mesma burguesia dominante que irá usá-lo de acordo com os seus interesses.

Dodora – Por outro lado, a participação de jovens em algumas manifestações internacionais tem aumentado. Existe o crescimento de alguns movimentos alternativos como o anarquismo e o hip hop, que expressam consciência e rebeldia da juventude com a atual situação. 

Alvaro – Parece que a política institucional é que está mais desgastada junto à juventude, que procura então outras formas de organização...

D. Waldyr – A burguesia está mesmo desmoralizando a política. 

Alvaro – Aí respinga pra todo mundo, seja sério ou ladrão...

D. Waldyr – De vez em quando eles sacrificam um Luís Estevão* da vida para mostrar que a política é suja. 

Dodora – A imprensa alternativa tem um papel importante neste momento...

D. Waldyr – Sem dúvida. Durante a ditadura, os boletins diocesanos ajudaram a despertar muita gente para a realidade da situação. As notícias, críticas e denúncias da imprensa alternativa permaneceram. Elas batem na cabeça da pessoa e ficam ali interrogando, questionando. Precisamos investir nisso. O que não podemos é ficar em cima de uma coisa sem saber porque. Por exemplo: Pastoral Carcerária é só para levar sabonete e escova de dentes para preso? Não, é muito mais importante denunciar o que causa essa miséria da superpopulação nas prisões.   

João Henrique – E a situação da mulher, Dom Waldyr?

D. Waldyr – Há alguns grupos de luta das mulheres que são muito atuantes. Elas investem bastante em jornais, boletins, enfim, na imprensa alternativa. Parece que a mulher é que vai libertar o homem primeiro.  

Alvaro – Dom Waldyr, uma mensagem de esperança para os leitores do Pavio Curto...

D. Waldyr – O nome é muito inteligente. Dizem por aí que eu tenho pavio curto. Já é uma identificação. Me alegro muito com essa iniciativa de vocês, ao resgatar aqui na região a imprensa alternativa. Parece que não é nada, mas é uma semente. E a gente sabe que uma semente desaparece mas depois reaparece com mais força. Evidentemente há um tempo de fermentação debaixo da terra. Mas depois ela vai florir. E aí a gente pergunta: por quê? E acaba lembrado da semente.


Essa foi a capa do Pavio em 2001. Na época escrevemos o nome de Dom Waldyr com "i", algo que só percebemos posteriormente. Nada que tenha prejudicado a entrevista. Seja com "i" ou com "y" Dom Waldyr será sempre lembrado como o defensor dos oprimidos e da justiça social.

O bispo do povo

Dom Waldyr Calheiros de Novaes chegou a Volta Redonda no dia 8 de dezembro de 1966, trazendo a libertadora visão da Igreja do Concílio Vaticano II. Nunca se omitiu diante do arbítrio e da violência da ditadura militar, sendo por isso indiciado em três inquéritos. 

No governo Médici, quatro soldados de Volta Redonda, que serviam em Barra Mansa, foram barbaramente torturados e mortos. Dom Waldyr foi incansável até conseguir a apuração dos fatos. Os responsáveis – 14 militares e dois policiais civis – foram condenados a 474 anos de prisão por tortura, assassinato e ocultação de cadáver. 

De 1967 a 1970, foram presos inúmeros metalúrgicos e jovens militantes de movimentos católicos. Dom Waldyr, informado das torturas sofridas por eles, procurou as autoridades militares e denunciou o fato em todas as missas dominicais da Diocese.

Sempre foi solidário às lutas dos trabalhadores. Em vários movimentos e greves, abriu as instalações da Igreja para que os operários pudessem melhor se organizar e lutar pelos seus direitos. 

A sua presença foi marcante na greve de 1988, quando tropas do Exército invadiram a CSN e mataram três operários. Uma celebração com 60 mil pessoas protestou contra a violência e se solidarizou com os trabalhadores.

Em 1988, Dom Waldyr sofre uma tentativa de sequestro no Rio de Janeiro. Uma semana antes, havia recebido a informação de que ele e o líder operário e prefeito Juarez Antunes “estavam condenados à morte, provavelmente fora de Volta Redonda”. Juarez morreu num desastre de carro em 21 de fevereiro de 1989. 


* empresário e primeiro senador da República (PMDB-DF) a ser cassado em 2000, sendo condenado em 2006 a 31 anos de prisão por corrupção

Fotos: Arquivo Pavio Curto; Alvaro Britto; e José Maria da Silva, o Zezinho do MEP.


Levante: 12 anos de luta organizando a juventude

  Foto 1: Primeira reunião de 2024 da célula de Resende, Parque das Águas, janeiro de 2024   Alvaro Britto*   Em 5 de fevereiro de 2012, 1,2...